segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Quadrilha Moderna

João amava Raimundo que amava Teresa
que amava Maria que amava Joaquim e Lili
que era assexuada.
João fez vida nos Esteites, Teresa na faculdade,
Raimundo morreu de Ébola, Maria ficou com Joaquim,
que não aguentou e suicidou-se e Lili manteve as aparências com J. Pinto
que queria colocar seu sobrenome na boca do povo.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Pequeno príncipe

E foi então que apareceu a raposa:

- Ring-ding-ding-ding-dingeringeding, disse a raposa.

- Hã?! Respondeu inquisitivamente o princepezinho, que se voltou, mas não viu nada.

Wa-pa-pa-pa-pa-pa-pow, disse a raposa indicando onde se encontrava.

- Quem é que está aí? Perguntou o princepezinho. Tu és bem difícil de entender...

Hatee-hatee-hatee-ho, disse a raposa.

- Sai de onde você está e vem brincar comigo, propôs o princepezinho. Estou tão triste...

Tchoffo-tchoffo-tchoffo-tchoffo-tchoff, disse a raposa em toda sua sapiência.

Porém, o princepezinho, que de raposês nada entendia, deu de ombros e foi embora.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Medo

O homem de bermuda se arrastava pelas ruas do Porto e o medo ia atrás. Seguia alheio ao frio, flanqueado por crentes e descrentes, como um prisioneiro no corredor da morte. Não sabia se apressava o passo e acabava com aquilo ou se retardava a marcha para dilatar o inevitável.

Olhou para trás a tempo de ver o medo correndo em sua direção, mas não permitiria ser alcançado. Mente e corpo inebriados com a sensação de poder, nada tomaria aquele momento das suas mãos. Era o Alfa e o Ômega. Senhor de si.

Imaginou quantos haviam percorrido aquele mesmo caminho e sentido aquele êxtase, para, então, emergirem vitoriosos. Tum tum. Despiu-se de toda a vaidade que vestia. Tum tum. Lembrou de tudo que enfrentara nos últimos seis meses e que o levaram até ali. Tum tum. Pensou na família que estava em contagem regressiva para a sua volta. Tum tum, tum tum. Calculou rapidamente quantos metros o separavam da água e chutou quantos mais o separariam do fundo. Tum tum, tum tum. Sentiu o vento frio tentando desviar a sua atenção enquanto o medo se apoderava do seu corpo. TUM TUM TUM TUM.

Esqueceu o motivo de estar ali. Tinha medo de altura, de morrer, de ir sem dizer adeus, de deixar a família triste, de não deixar herdeiros ou um legado. Fazia graça para esconder o desespero. Queria desistir, mas o corpo continuava. Cruzou a grade da ponte e sabia que não poderia retornar. Desistiu de resistir.

Olhou para baixo e experimentou o sabor de adrenalina do medo. Ainda assim, sentiu se mais corajoso do que nunca. Um. Continuaria vivo para rever todos. Dois. Se formaria para mudar o mundo. Três. Dominar para não ser dominado. Fodeu, puta que pariu.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Nego

Agora eu sou o Negão que trocou o verão do nordeste pelo inverno de Portugal, o oxe pelo ora pois e a moqueca de peixe com camarão por esse tal de bacalhau. Agora não tem mais moleza, nem o conforto de casa. Nada de roupa, passada e lavada, guardada na gaveta, cama feita ou pia da cozinha vazia. A comida não surge nas panelas, os produtos de limpeza não se esfregam no chão, os sacos de lixo não tomam o elevador, e o cheirinho do banheiro vive vazio.

Bebo todos os dias porque o clima é frio, porque sempre tem promoção, porque tem festa, porque chamam, porque não tenho aula, porque tive aula demais, porque não tem nada pra fazer, mas na maioria das vezes, faça chuva ou faça sol, é tão somente porque eu quero. Basta ser líquido, até o tal do mátê quêntê vendo o pôr do sol no teleférico de Gaia.

Jogo frisbee, ando de caiaque, faço slack, corro, e não paro. Agora falo um pouco de francês aqui, uma pitada de italiano ali e um punhado de alemão, não é suficiente pra conversar com ninguém, mas é, por enquanto, o bastante. Não estudo, mas vivo o Direito nas ruas, no povo e no fundo de um copo de cerveja.

Sou da Bahia, de Cuiabá e do Acre, mas também sou mineiro, gaúcho, paulista e catarinense. É uai! com bah!, bolacha com biscoito, língua queimada pelo mátê quêntê no final da tarde. É o rolê num pico doidimais, e, principalmente, concordar que é tudo um demonho mesmo. É deixar de ser sergipano pra me apresentar como brasileiro, com muito orgulho, com muito amor-ôôôô!

Foi nessa mistura retada da peste, que mudei e fui mudado, que acrescentei e fui acrescido. Não porque o intercâmbio muda todo mundo, mas porque tive coragem de sair da minha zona de conforto.

Agora eu sou o Negão, cheio de paixão, te catá, te catá, te catá.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Apenas mais uma de amor (22) - Chico

A fase de negação começou quando vi aquele ser sentado no colo da minha mãe pela primeira vez, não fazia ideia de quem ou o que era aquilo, mas o odiava com todas as minhas forças. Éramos diferentes, mas compartilhávamos o mesmo sangue, mas nada mudaria isso: estava no meu lugar e tomava a atenção que sempre fora minha. Não aceitava ser trocado, preferia que a minha mãe permanecesse gordinha para sempre. A negação era constante. Não queria acreditar que estava acontecendo justo comigo. Eu queria um cachorro e os meus pais me deram uma irmã. Fui traído por quem mais deveria me amar.

Pouco a pouco me conformei com a ideia de que não daria para me livrar dela e a negação começou a ser substituída pela fase da raiva desmedida que só crescia. Não suportava a sua presença e nós não podíamos dividir o mesmo espaço sem que brigássemos. Eu acordava, dava uma surra nela para ela acordar, ia tomar banho e dava outra surra quando a gente se encontrava no corredor. Depois nós descíamos para tomar café e eu dava outra surra nela porque ela queria comer o mesmo que eu. E assim passava o dia, numa mistura de meninices e surras constantes, até que a minha mãe decidiu que um passava a manhã no andar de baixo e o outro no andar de cima, e pela tarde trocávamos.

Mesmo assim ela era o meu saco de pancada e ninguém além de mim tinha o direito de descer a mão nela. A medida que crescíamos as brigas começaram a se tornar menos frequentes, porém mais intensas. Desloquei o braço dela com um chute e ela amassou a porta com um tijolo que era pra acertar a minha cabeça. A gente ficava semanas sem se falar, uma Guerra Fria em menor escala prestes a estourar. E, para ser sincero, não sei o que mudou e nem quando a raiva virou aceitação. Um belo dia nós simplesmente nos tolerávamos e já nos dávamos bem. Nos tornamos civilizados.

Ainda discutimos bastante, mas porque temos a personalidade forte. Ficamos sem nos falar algumas vezes e foram as semanas mais intermináveis da minha vida. Estamos sempre juntos e agora não vejo mais como irmã mais nova e sim como minha amiga. Depois da fase da aceitação, que 6 anos atrás eu achei que fosse a última, veio a fase do amor porque não importa o quanto ela cresça, será pra sempre o meu macaquinho.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

La sirena di Napoli

Andava sem rumo pela cidade até que encontrou o mar. A beleza de Roma ofuscava ainda mais os segredos a serem revelados em Nápoles. Todos as estradas levam a Roma, nenhuma delas deveria sair. Seu corpo chegou na costa, entretanto, seus pensamentos haviam sido aprisionados em uma velha moeda de euro. Seus desejos repousavam no fundo das claras águas da Fontana di Trevi.

Foi retirado do seu limbo particular por um riso angelical. Seus olhos percorreram o horizonte para encontrar uma deusa no meio dos homens. Nem mesmo a Capela Sistina poderia se comparar em beleza, nem provocar tamanha impressão. A arquitetura do Panteão invejaria sua perfeição.

A mais bela criatura a pisar na terra fez com que parasse. Ela sabia que ele a encarava, estupefato. Seu sorriso malicioso e os olhos de Capitu agora o puxavam para mais perto. Se sentia sugado pelo vácuo entre eles.

Se sentou na muralha que separava a terra e o oceano. Seus ondulados cabelos castanhos ondulavam em sintonia com o mar. Olhos fechados. Foi quando ele ensaiou dar o último passo em sua direção que ela mergulhou na salgada água deixando apenas bolhas para trás.

domingo, 29 de junho de 2014

Apenas mais uma de amor (21) - Epifania

Há um momento sutil em que, não importa onde você esteja, todas as engrenagens do universo se encaixam. É único, particular e inesperado. Chega a ser orgasmática a súbita compreensão de todas as perguntas que permeiam o imaginário. De repente, respostas. A sensação de colocar um par de óculos novos pela primeira vez. Tudo entra em foco. Agora corria refazendo o percurso que acabara de fazer, talvez fosse tarde, mas nessa vida até menstruação atrasada é bem vinda.

Encheram suas taças com o néctar mais puro. Deixaram-se levar pelo gosto até se embriagarem. Dançaram inebriados uma melodia singular que ninguém mais escutava. Acreditaram na particularidade de uma balada apenas deles. Perdoaram os tropeções. Ai. Desculpa! Não tem problema -sorriso- agora gira e gira. E lá se ia um passo novo em cima da falha. A prática levaria a perfeição. Perderam-se quando não mais permitiram erros.

Trocaram os ritmos, mas não de parceiros. Soltaram as mãos, mas continuaram a dançar até a alvorada tocar suas faces. Cabisbaixos, cada um para um lado. Perdidos com a infinitude de possibilidades que surgiram. Universos alternativos que se formavam a cado passo que davam. O caminho que se estreitava à medida que se distanciavam. Acelerou.

Há um momento brusco em que o caos esbarra com leis universais e toma forma. É geral, incontrolável e desenfreado. Chega a ser assustadora a torrente de novas perguntas que ficamos submissos. De repente, perguntas. A sensação de que o par de lentes já não é mais suficiente para o novo grau. Tudo sai de cena. Agora caminhava pelo percurso que acabará de fazer, talvez fosse cedo, mas nessa vida até parto prematuro é bem vindo.

Correu porque sabia que a dança tinha conteúdo, caminhou porque sabia que faltava forma.




quarta-feira, 11 de junho de 2014

10 maneiras de tomar (ou não) uma advertência

1º Ria. Não importa se você ri alto ou baixo, estrondosamente ou delicadamente. Rir tira a concentração de qualquer um. Durante a bronca, ria ironicamente pelo canto da boa, isso garantirá um passe livre.

2º Passeie. A sala nunca é grande ou pequena o bastante para você circular. O importante é não ficar parado. Passeie dentro da sala que certamente você expandirá seus horizontes.

3º Relembre. Seus tempos de criança te ajudarão nessa árdua batalha. Acorde o demônio adormecido nos confins do seu âmago. Invente as mais variadas brincadeiras. Use a imaginação. Vença e comemore sua vitória em casa.

4º Mate. Pernilongos, formigas e outros insetos não fazem parte do ambiente. Aproveite os momentos de silêncio para caçá-los. Mate quantos forem precisos. Quanto mais você matar, mais pontos serão acumulados. Dez pontos são suficientes para você ganhar seu bônus e passar de fase em sua caçada.

5º Discuta. Mesmo estando errado você deve se achar certo. Confronte tudo e todos. Repita o primeiro item enquanto discute que certamente sua discussão chegará a algum lugar.

6º Dispute. Converse o mais alto que puder, dispute voz com quem for preciso para alcançar a hegemonia do espaço sonoro, mas não espere que a sua palavra seja a final.

7º Aproveite. Qualquer discussão serve de faísca para que o circo pegue fogo. Certifique-se de manter  a vantagem durante toda a briga e que alguém esteja olhando. Mantenha a calma, brigue o suficiente para uma advertência, mas nunca o bastante para uma suspensão.

8º Transforme. A sala é o limite. Transforme-a. Ela pode virar um campo de futebol, uma quadra de vôlei ou uma trincheira, mas não se preocupe com as regras. Sempre haverá um juiz com um cartão vermelho esperando.

9º Forme. Um grupo de pagode nunca é demais. Junte canetas, os cadernos, batucar na mesa também vale. Crie um refrão animado e repita-o durante toda a música. Talvez você fique famoso e seja convidado a tocar na coordenação.

10º Dance. Enquanto realizam o nono item, levante-se e remexa. Não precisa ficar acanhado. Dance do jeito que achar o mais engraçado. Certifique-se de que a maioria esteja realizando o primeiro item. Se isso acontecer, se prepare para realizar o quinto item. Seu talento também será reconhecido e você também será convidado a dançar para pessoas mais importantes.


Se depois de tudo isso, você ainda assim permanecer na sala, sem sombra de dúvida, você é o filho da diretora.

sábado, 10 de maio de 2014

Minha mãe é uma peça

Minha mãe não xingava, nunca bebia, reclamava o tempo inteiro da bagunça no quarto, achava errado que a gente fosse pra aniversário de 15 anos sem ser convidado e ainda por cima sem nem levar presente. Entretanto, como diz o ditado, se não pode vencê-los, junte-se a eles. Hoje o motorista que entra sem dar sinal é filho da puta, uma taça de vinho já deixa ela doida, quem quiser viver num chiqueiro que viva e é pra levar o meu irmão pra festa junto comigo que ninguém vai se incomodar.

Ela é o motivo pelo qual não tenho saudade da comida de casa porque até água ela queima. Quando era mais novo achava que o meu pai não era romântico por sempre comprar jogos de panela no dia das mães, mas hoje sei que as panelas precisavam ser trocadas sempre que ela resolvia cozinhar. Meus amigos ficavam felizes nas datas comemorativas porque a mãe deles cozinhava só coisa boa. Eu ficava feliz porque a gente pedia comida. Pior ainda era quando ela "aprendia" uma receita nova e experimentava na gente, lá se ia o dia inteiro de só-sai-daí-quando-comer-tudo. Mesmo assim, não troco o cuscuz da velhota por nada.

Acredito que a minha ingratidão tenha começado já quando eu disse as minhas primeiras palavras: papá. Depois de 9 meses, mais o tempo de amamentação, tantos cuidados pro infeliz chamar pelo pai que estava sempre trabalhando. Por um outro lado, bastava ela chegar cansada, claro, que eu ia atrás com um livro para que ela lesse a mesma história pela décima quinta vez. Naquele dia. Até que ela comprou livros novos.

Sem sombra de dúvidas ela é a pessoa que mais me ama nesse mundo. Sempre fiz o que quis e ela me apoiou em tudo sem questionar. Mesmo nas várias vezes em que eu pedi para que ela fechasse as janelas do carro ligeiro e logo depois peidei, ela deixou de confiar em mim. Nem quando me escondia na dispensa e gritava pra ela aparecer na cozinha só pra ver se o coração dela estava funcionando bem, ela quis me deserdar.

Diferente da maioria das pessoas que têm na mãe a melhor amiga, eu não tenho. Entretanto, ela me conhece melhor do que ninguém. Ela finge que acredita e eu finjo que engano. Nada passa despercebido. Eu achava que era sortudo por ela sempre chegar em casa fazendo barulho porque dava tempo de me vestir, sendo que ela pagava o meu irmão pra entrar batendo a bola no chão e não ver nada.

As pessoas têm a concepção de que ter a mãe médica é a melhor coisa do mundo porque ela cuida de você e ainda te dá atestados. Se vocês encontrarem uma assim, favor entrar em contato pra fazer a troca porque lá em casa o buraco é mais embaixo. A gente não faltava aula. Se tinha força pra ir até o quarto dela pedir remédio, também tinha pra ir pra escola. Eu perdi prova na faculdade porque tava com uma diarreia de lascar o ser em dois e ela me mandou ficar e tomar muito líquido, mas na hora que eu pedi um atestado ela disse que só dava atestado aos pacientes que iam ao consultório.

Acho que só tem um pessoal que ama mais a minha mãe que a própria família, os funcionários da SMTT. Ela é a maior contribuinte e pelos motivos mais absurdos. É como se todo o cuidado e atenção ficassem no consultório com ela. Só ela consegue tomar multas pelo mesmo motivo e no mesmo local. Ainda tem a cara de pau de dizer que a multa é pra mim.

Mãe

Olhava quietinha ele dormir. Prendia a respiração com medo de acordá-lo, mesmo sabendo que era o mesmo sono pesado do pai. Os pequenos olhinhos fechados tranquilizavam. Custava a sair para trabalhar. O tempo tentaria transformá-lo, levá-lo para longe, pois que tentasse, protegeria o seu bebê. De tudo. As memórias começaram a emergir.

Nasceu mirrado antes do previsto, cabia na mão do pai. Era só pelanca. Tão feinho que mais parecia um ratinho pelado, mas não importava. Lá estava ele, o primogênito. Tinha planos para ele que agora eram frustrados pela quantidade de complicações. Aquele diminuto pedaço de gente dependia de alguém. Nada nesse mundo o tiraria de perto . Nada o machucaria.

Dava-lhe banho com água mineral para que não ficasse doente. O leite de cabra porque não podia com o de vaca. Longe do pai que não tinha juízo e o levava ao curral para ver os bichos. Noites em claro por conta das crises de asma. Ele cresceria forte, tinha essa certeza. Queria vê-lo ir aonde jamais sequer sonhara chegar. Queria vê-lo descobrir a cura para uma doença rara ou levar  paz ao Oriente Médio. O ajudaria no que fosse preciso.

- Que foi, mãe? - a voz embriagada de sono.
- Oh, filho, nada não. - se assustara mais do que deveria.- Já arrumou a mala?
- Depois, depois - já puxando a colcha pra cima e virando para o outro lado. -, num já falei que vou arrumar? Relaxe o bigode que vai dar tudo certo.
- Mas Dieguinho, meu filho, pelo amor de Deus, Dieguinho, ói sei não, viu? - desconversou ainda meio deslocada.- Você que vai viajar mesmo. Sei não, sei não. 

As lembranças tanto cobriram seus olhos que achava que iria ouví-lo acordar chorando. O seu bebê, o bebezinho da mãe, crescera e estava prestes a conquistar o que era seu por direito. Não poderia mais cuidar dele e teria que se conformar. Filho é assim mesmo, a gente cria pro mundo. 

Voltou ao quarto para confirmar e lá estava o sapequinha babando no travesseiro.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

História de Ninguém

Quem sou eu já não importa, nem o quando e nem o onde. O que importa é que não tenho mais identidade. Mera mazela social a ser julgada. Um mito criado ao meu redor. Fui julgado um qualquer, um desajustado, apenas mais um rebelde sem causa.

Sou um número. Apenas uma sequência pela qual todos me reconhecem, exceto eu. Como se não bastasse a minha identidade, tiraram também o meu direito de lutar. Não há direito de resistência. Não posso aceitar. Não, não. Exército parapopular que espera pra ser réu, julgado, culpado. Não, não. Munidos do verbo, apenas. Frágeis problemas.

Filho da Sociedade
(Na verdade criado por Ninguém. Porcos capitalistas.)
E retorna o filho pródigo, mas sua Mãe não o aceita de volta,
(Discórdia)
acha que sou apenas um “Meu Guri” à espera do destino. Um destino comum a todos,
(Mentira.)
a todos os filhos pródigos,
(Desgraçada, pede que volte, mas não aceita.)
(Tolo.)
Destino o qual ela mesma me preparou. Sem direito a mudanças ou escolhas. Apenas esperando meu fim, triste fim.
(Carrasca, amaldiçoo a ti e a teus filhos. Acabarás como o início.)

domingo, 30 de março de 2014

Apenas mais uma de amor (20) - Amor maior

Lembrava da primeira vez que ela lhe chamou de pai. Claro que não era verdade e logo a corrigiram, mas foi o suficiente para desencadear a série de eventos que aconteceram no decorrer dos dois seguintes anos. Talvez as coisas já estivessem determinadas a acontecer, só levariam mais tempo. Tempo que não sabiam que não iriam ter. E que não teria mudado em nada se soubessem.

Não a via sempre, nem mesmo todas as semanas. Mesmo assim, todo dia era melhor que o anterior. Era ela que tudo alegrava quando saía cansado do trabalho para visitá-la. Todos os defeitos que tinha e que não conseguia enxergar coloriam qualquer dia cinza. Suas perguntas sem pé nem cabeça, seu riso fácil e a voz manhosa quando queria alguma coisa. De novo, de novo, e lá se ia mais uma infinitude de vezes da mesma brincadeira. Os braços cada vez mais fortes para aguentar o peso que crescia nas mãos. O peso da diminuta vida pela qual era responsável. A vida que a vida tomaria.

Era questão de tempo e nada mais. Ela tinha pai, vivo e, acima de tudo, saudoso. A notícia de que ele voltaria ao Brasil para levá-la foi recebida com ceticismo. Que besteira, que bobagem, levar a menina só por conta disso. Não dava palpites, apenas balançava a cabeça e concordava. Não tinha o direito de opinar. Nem mesmo acreditava que esse dia chegaria. Mas chegou.

E lá estava ela, mochilinha nas costas, tiara na cabeça. Nada mais de Dora ou de Galinha Pintadinha, muito menos músicas diferentes todos os dias ou brincadeiras repetitivas. Ela estava com o pai verdadeiro, não havia nada mais que pudesse ser feito. Nem ao menos sabia como se sentia. Não havia nada, nem raiva por a levarem, nem alegria por vê-la feliz. Por fim, se foi. Foi se, como houvesse uma passagem de volta esperando por ela. Só havia o pai.

Não era o pai dela, nunca seria. Ela, mais do que ninguém, sabia. Não era o pai dela, mas era como se fosse.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A maior burrice da vida

Estava na dúvida. Ser adolescente era assim e ele sabia, mas precisava ser um curso de cada área? Tinha seus motivos para seguir cada uma delas, alguns deles errados. Era um rebelde sem causa e tinha coisas a provar, principalmente para si. 

Demorou a se inscrever. Usou todo o tempo disponível para pensar. Deixou que a vontade de provar que estavam errados fosse maior, ninguém dizia que ele não era capaz. O gosto pela Matemática ajudou, claro, só não foi o que pesou mais. Clicou. Nada adiantaria naquele momento, o que estava feito, feito estava, seu futuro já estava decidido. Para muitos, não foi surpresa alguma vê-lo prestar vestibular para Engenharia Civil. Meses depois, não foi nenhuma surpresa para ele ver o seu nome na lista dos aprovados. A única surpresa foi não ter trancado o curso ao final do primeiro semestre.

Ele que era aluno exemplar, virara medíocre. Lutava para colar e se manter na média, odiava todos que negavam. Frequentara poucas aulas, mas vivia na faculdade. Pegava cada vez mais créditos e mesmo assim atrasava o curso todo semestre. Deixou a raiva assumir o controle. Ia todos os dias para um lugar que não queria estar, fazer o que não queria fazer, queria sair dali, fugir, ir embora, mas como? Sair dali pra fazer o que? Onde? Cada semestre que passava era um a menos para se formar. Empurrou com a barriga, sempre postergando seu sonho. Estava no oitavo período, não podia jogar tudo pro alto e apenas rezar para que as coisas funcionassem. Começou a comentar aqui e ali que queria largar o curso, recomeçar do zero. Disseram que estaria cometendo a maior burrice da sua vida. 

Fez um acordo que sabia que não cumpriria. Mentiu para si e para quem quer que estivesse disposto a acreditar:

- Mas vai fazer os dois, né? Já tá perto de formar.
- Ah, Claro...

Que não.