terça-feira, 26 de outubro de 2010

Apenas mais uma de amor (7)

Ela sentiu todo o seu corpo arrepiar com aquela presença. Ele estava atrás dela, mas não a segurava. Estavam suficientemente juntos para que ela escutasse aquela respiração ofegante no ouvido. Fazia tempos que ela não sentia aquele calor gostoso no meio da pernas, dois anos e alguns poucos meses para ser mais exato. Queria gritar e não podia, gemer e não podia, se entregar completamente e não podia. Ai, meu Deus, o que os outros vão pensar.

Ele ali, sem nem se importar, um bruto que pensava nele e apenas ele. Com calma que sou moça de família, isso não se faz. A face ruborizada a entregava, tinha que se controlar, não podia deixar que percebessem. E se estiverem me vendo aqui? O que devem estar pensando? Sempre tão correta, tão pura. Os vizinhos iam falar. Moça sempre tão pura se deliciando com aquele ogro. O sexo que ardia e desejava mandava que ela mexesse o quadris. Seu corpo não ousou desobedecer. Ele era a faísca que estava faltando para acender o seu fogo. Uma vez aceso, esse fogo se tornava insaciável, devorava tudo o que estava perto. Devorou até o último instante.

Não aguentou segurar mais. Apertou a barra do vestido como um doente terminal agarra o último suspiro de vida. Era ela mesma uma doente terminal que encontrava a morte. La petite mort. The little death. A morte da sua dignidade. A morte daquele desejo que antes a consumia. Ahhhh, gemeu gostoso em pensamento. Não podia se demorar mais ali. Era errado, muito errado. Seria errada ela também?

Quando deu o primeiro passo, ouviu uma voz grossa no seu ouvido:

- O prazer foi todo meu.

Suas bochechas ficaram mais vermelhas do que já estavam. Estavam queimando de tanta vergonha. Olhou rapidamente para trás. Eu sei que você gostou, safada. Era isso o que dizia aquele sorrisinho sem-vergonha no canto daquela boca suja. Ela não aguentou. Deu sinal e desceu do ônibus quatro pontos antes do seu.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Apenas mais uma de amor (6)

Olha para baixo quando olho para cima, para um lado quando olho para o outro, para dentro quando olho para fora. O único momento em que olhamos para a mesma direção, é quando olhamos em sentidos opostos.

Deseja doce quando quero azedo, refrigerante quando quero suco, champagne quando quero uísque, água quando quero cerveja. Somente quando enroscamos as nossas línguas, que compartilhamos da mesma bebida.

Dança tango quando danço forró, valsa quando danço lambada, pagode quando danço funk, reggae quando danço sertanejo, axé quando danço rockabilly, samba quando danço salsa. Apenas no meio da areia, iluminados pela lua e pelas estrelas, nossos corpos valsam em um único ritmo.

Escolhe o frio quando escolho calor, primavera quando escolho outono, norte quando escolho sul, avião quando escolho trem, carro quando escolho barco, serra quando escolho praia. É quando chegamos exaustos de viagem que concluímos que o melhor é sexo no escuro.

Diz não quando digo sim, tchau quando digo oi, bom dia quando digo boa noite, mainha quando digo mãe, que dor quando digo graças à Deus, que absurdo quando digo normal, pare quando digo vai, duvido quando digo você vai ver. Olhando bem lá no fundo, congelados por um instante, permanecemos calados, até que surge o sorriso que cresce de ponta à ponta e expressamos o que estava preso: te amo.

Me faz chorar quando quero rir,
rir quando quero chorar.
Correr quando preciso andar,
andar quando preciso correr.
Lutar quando preciso respirar,
respirar quando preciso lutar.

E ainda assim a desejo. Loucura de mais um que caiu nos braços de Afrodite. Diferenças à parte, combinaremos sempre quando concordarmos que somos yin e yang. Só não concordamos ainda sobre quem é quem.

sábado, 9 de outubro de 2010

Primeiro ano

Sabe quando você esquece a data do aniversário de namoro e a sua namorada fica puta de raiva sem nem querer ver a sua cara? Então você vai e tenta fazer de tudo para compensar a besteira que fez. Manda flores, compra ursinhos e chocolates, faz cartas, poemas e até mesmo uma serenata. Pode ter certeza que ela ainda irá passar isso na sua cara algum dia. Mulheres nunca esquecem as coisas que você esqueceu. Eu esqueci a data do aniversário do Embriaguez Verbal.

No dia 04/10/2009, o blog foi criado e teve a sua primeira postagem. Desde esse dia, ele já me deu alegrias e tristezas, mas sempre lembrarei que foi amor à primeira vista. Em um ano, tantas coisas aconteceram, tantas coisas mudaram, mas nós permanecemos aqui juntos. Assumo que, algumas vezes, pensei em jogar tudo pro alto e deixar para lá. Por que seguir com algo que não me traz nada? Eu estava errado sobre isso. Querem ver o porquê?

Durante esse um ano de vida, o EV obteve 528 comentários, divididos em 144 posts, contando com esse. Isso dá uma média de 3,66 comentários por post. Se existem tantos comentários, é porque pessoas vieram até aqui ler. Foram 7923 pessoas até agora, divididas em 371 dias de acesso, o que representa uma média de 21,35 visitas diárias. Sendo o dia mais visitado o dia 08/08/2010, graças ao post que eu fiz em homenagem ao meu pai. Nesse dia, foram mais de 100 acessos em menos de uma hora. Essa gente toda veio não só de todo o Brasil, mas também de todos os outros continentes, com exceção da Oceania. Acho que eles não tem internet por lá.

Sem contar no quanto eu lucrei. Durante todo esse tempo, já consegui lucrar R$0,00 reais. Nunca ganhei um centavo sequer. O meu pagamento é ver que vocês comentaram, é ver que tem mais de dois visitantes online, ver que vocês chegaram até aqui para ler o que eu escrevi. Obrigado por todo o carinho de vocês. Que venha mais um ano!

Tempos de escola (2)

Apesar de não gostar da escola que estudei a maior parte da minha vida, sempre gostei de ir pra lá todos os dias. Meus melhores amigos e boa parte dos meus amigos de infância, estudaram e cresceram comigo por lá. Estivemos juntos praticamente o ensino fundamental e médio inteiros. Alguns tiveram a sorte de abandonar o barco mais cedo, outros não. Permaneci até o final do segundo ano do ensino médio. Até hoje ainda bato no peito para dizer que não fui expulso. Saí porque fui injustiçado, queriam me proibir de assistir as aulas, vê se pode.

Se o Liceu desse prêmios ao final de cada ano, dois deles seriam meus: maior frequência e maior tempo na sala da diretora. No meu discurso, no dia da entrega, agradeceria a minha mãe por nunca me deixar faltar e aos meus colegas por terem ido comigo até o purgatório.

Todos os dias, fizesse sol ou chuva, tempestade de areia, neve ou raios, eu ia para a escola. Se minha mãe não pudesse me levar, ia de carona, se não tivesse carona, ia caminhando. Não importava como, tinha que ir. Naquela época, o moleque espirrava em casa e a mãe já mandava fazer um suco de laranja e deixava ele em casa vendo desenho debaixo das cobertas. Aqui em casa era completamente diferente.

Minha mãe é médica, então, pra ela, sempre poderia estar pior. Quando ficava com febre, corpo mole e ânsia de vômito, ela vinha e me perguntava se estava bem. Não importava a minha resposta, ela sempre dizia que se eu conseguia falar é porque dava pra ir pra escola. Mesmo doente tinha que estar lá sorrindo e distribuindo simpatia pela manhã, o máximo que eu ganhava era um comprimido pra tomar caso piorasse e o direito de ligar pra ela caso o comprimido não adiantasse. O pior de tudo era que se você tivesse que ligar para sua mãe e precisasse de algum remédio enquanto esperava por ela, o colégio não tinha. Tudo que eles ofereciam era chá.

Não importava a doença ou os sintomas que você apresentava, a cura para todos os seus males era chá. Caiu no chão e cortou a perna? Chá de boldo. Tá com febre? Chá de camomila. Dor de cabeça? Erva cidreira. Tá triste? Capim santo. Nervoso? Hortelã. Dor de corno? Erva doce. Só tinha isso, a caixa de primeiros socorros era enorme, mas dentro só tinha uma tesoura e um pacote de gazes, nem esparadrapo tinha. Era como se fosse um hospital público, mas sem as filas. Descobri isso da pior maneira possível.

Uma vez, saí da sala porque estava com uma puta vontade de vomitar e fui até a secretaria. A secretária chamou uma das inspetoras que resolveu fazer um chá para mim. Nunca gostei de tomar essa porcaria, mas ela me disse que ele faria com que a vontade de vomitar passasse na hora. Ela estava certa. Assim que tomei, saí correndo para o banheiro mais próximo e vomitei tudo na pia.

Depois de ter vomitado, lembrei do dia em que bati a cabeça e abri o supercílio quando era primeira série. Quando cheguei na secretaria, com metade do rosto coberto de sangue, a secretária já veio toda agoniada:

- Meu Deus, que foi isso?

- Ah, bati a cabeça...

- Vije Maria, a coisa tá feia. Melhor você olhar pra cima.

- Assim?

- É.

- Vai melhorar?

- Não, mas vai melar menos agora.

Talvez, se tivessem me oferecido um chá de canela, eu não tivesse tomado tanto ponto. Se bem que, pro tamanho do corte, iam precisar de algo mais forte: chá de carqueja com biscoitos.

Tempos de escola

Quando era pequeno, me disseram que a escola é a nossa segunda casa. Se é na cozinha que a gente fica com dor de barriga e solta uns peidinhos e no banheiro que tudo termina em merda, então, a sala de aula era a minha cozinha e as salas da coordenadora e da diretora eram os meus banheiros. Afinal, por mais que a coisa começasse a feder na sala, só dava merda quando passava por aquelas portas. Tinha dias pela manhã que eu já estava lá esperando, antes mesmo delas abrirem a sala. No primeiro dia, foi um susto, nos outros, foi uma ironia atrás da outra. Que bela surpresa você por aqui. Há quanto tempo, sabia que já estávamos com saudade? A verdade é que elas tinham medo de mim. Sabiam que a qualquer hora eu podia entrar na justiça e tomar a sala delas por usocapião.

A melhor coisa do mundo era ir para lá, significava que eu havia vencido e o professor perdido. Sabe quando você era pequeno e você brigava com alguém na rua e a pessoa saia correndo gritando que ia contar para a mãe? Você imaginava a platéia de aplaudindo de pé e o juiz segurando a sua mão lá no alto. Era a mesma sensação. Pena que a minha versão era sempre a errada. Ninguém nunca acreditava em mim, mas eu não me importava, lembrava da história e sorria pelo canto da boca. Ninguém gosta de um sorriso pelo canto da boca quando está dando uma bronca. Significa que, por mais que a pena seja dura, o crime compensou. E sempre compensava pra mim.

O bom de tomar uma advertência era a oportunidade de ir para casa mais cedo. Era como se o moleque que você havia batido fosse chamar a mãe dele e quando ela chegasse você batesse nela também e ela saisse correndo dizendo que ia chamar a sua mãe. Você vencia novamente, mas sabia que quando chegasse em casa ia tomar uma baita duma surra. Só que comigo era diferente. Meu pai foi pior do que eu, ele me entendia, sabia que a tradição havia sido passada adiante pelo sangue. Tanto é que, quando ligavam para ele, para dizer que eu estava atrapalhando o andamento da aula, ele dizia que era pra me deixarem em paz porque eles estavam fazendo a mesma coisa com o trabalho dele e nem por isso ele reclamava.

Quem ia lá resolver os problemas da escola era a minha mãe. Toda vez que ela voltava de lá, ela me perguntava se eu achava que estava certo. Bom, errado é que eu não estava. Da única vez em que eu fui suspenso por pular o muro, ela me levou para almoçar fora para que a gente pudesse conversar sobre o assunto. Foi nesse dia que ela me disse que nunca ia brigar comigo pelo que eu fazia na escola porque eu estava sob o comando dos meus genes. A única coisa que ela me disse é que iria na escola pegar todas as advertências que eu já tinha tomado, xerocá-las e fazer um mural para colocar no meu quarto. Bem que eu queria ter ganho esse mural, mas tudo bem. No outro dia, a diretora me perguntou o que eu havia ganho com tudo aquilo e eu apenas disse a verdade: um almoço e três dias de férias.

Nesse mesmo dia do almoço, meu pai me deu um conselho que resolvi seguir para o resto da vida: faça arte, mas nunca assine a obra, fica mais famosa a obra que o artista é desconhecido porque fica todo mundo querendo saber quem foi o gênio criativo. Ele estava certo, existem muitos mistérios sem solução no Liceu. Mistérios os quais eu prefiro que nunca sejam solucionados.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Einstein e Deus

Sou cristão por batismo e agnóstico por opção. Não acredito em "Deus", mas seria prepotência acreditar que nada depende de uma força maior. O universo é grande demais e nós pequenos demais. Acredito que exista um velho barbudinho com uma batuta regendo tudo o que acontece em todos os cantos do universo. Isso não quer dizer que ele é o responsável pelas coisas ruins ou pelas coisas boas que nos acontecem. Ele rege a orquestra, muda ritmos e tons, mas cada um dança do jeito que bem entender. É o nosso livre arbítrio.

Muita gente não consegue entender o fato deu acreditar em "Deus" sem acreditar numa religião. É uma questão de fé. Muita fé no que acredito. Ninguém nunca conseguiu me convencer de que tal religião é única e absoluta e que somente ela pode me dar todas as respostas. Porém, muitas vezes me convenci de que, talvez, Ele não existisse.

Crianças na rua pedindo esmolas ou sendo maltratadas pelos próprios pais. Seres imaculados que tem suas purezas manchadas pelo mal do mundo. Pessoas doentes sem nenhuma esperança de melhorar. Assassinatos, sequestros e torturas cada vez mais diabólicos. O mundo está se tornando maligno. Como acreditar em alguém que se diz criador e não cuida das criaturas? Essa pergunta já deve ter passado na cabeça de bilhões de pessoas no mundo. Todos aqueles que sofreram algum mal, devem ter perguntado a mesma coisa ao Criador. Onde você estava quando precisei?

Quando Einstein era um jovem estudante, ele surpreendeu um professor com a sua resposta:


Deus não criou o mal. Ele nos deu a opção de acreditar no amor ou no ódio, no bem ou no mal. A culpa dos males do mundo é do próprio ser humano. Aquele mesmo ser humano que acredita que ter fé é ter uma religião, o mesmo que acredita que tudo é porque Deus quis ou até mesmo que ciência e fé não andam de mãos dadas. Apenas uma pequena parte do nosso dia é determinado pela mudança de ritmos ou tons em que a orquestra está tocando, o restante, depende somente de como reagiremos a essas mudanças. A sinfonia será tocada por toda a eternidade e nós, continuaremos a fazer as nossas próprias coreografias.