sexta-feira, 18 de julho de 2014

Apenas mais uma de amor (22) - Chico

A fase de negação começou quando vi aquele ser sentado no colo da minha mãe pela primeira vez, não fazia ideia de quem ou o que era aquilo, mas o odiava com todas as minhas forças. Éramos diferentes, mas compartilhávamos o mesmo sangue, mas nada mudaria isso: estava no meu lugar e tomava a atenção que sempre fora minha. Não aceitava ser trocado, preferia que a minha mãe permanecesse gordinha para sempre. A negação era constante. Não queria acreditar que estava acontecendo justo comigo. Eu queria um cachorro e os meus pais me deram uma irmã. Fui traído por quem mais deveria me amar.

Pouco a pouco me conformei com a ideia de que não daria para me livrar dela e a negação começou a ser substituída pela fase da raiva desmedida que só crescia. Não suportava a sua presença e nós não podíamos dividir o mesmo espaço sem que brigássemos. Eu acordava, dava uma surra nela para ela acordar, ia tomar banho e dava outra surra quando a gente se encontrava no corredor. Depois nós descíamos para tomar café e eu dava outra surra nela porque ela queria comer o mesmo que eu. E assim passava o dia, numa mistura de meninices e surras constantes, até que a minha mãe decidiu que um passava a manhã no andar de baixo e o outro no andar de cima, e pela tarde trocávamos.

Mesmo assim ela era o meu saco de pancada e ninguém além de mim tinha o direito de descer a mão nela. A medida que crescíamos as brigas começaram a se tornar menos frequentes, porém mais intensas. Desloquei o braço dela com um chute e ela amassou a porta com um tijolo que era pra acertar a minha cabeça. A gente ficava semanas sem se falar, uma Guerra Fria em menor escala prestes a estourar. E, para ser sincero, não sei o que mudou e nem quando a raiva virou aceitação. Um belo dia nós simplesmente nos tolerávamos e já nos dávamos bem. Nos tornamos civilizados.

Ainda discutimos bastante, mas porque temos a personalidade forte. Ficamos sem nos falar algumas vezes e foram as semanas mais intermináveis da minha vida. Estamos sempre juntos e agora não vejo mais como irmã mais nova e sim como minha amiga. Depois da fase da aceitação, que 6 anos atrás eu achei que fosse a última, veio a fase do amor porque não importa o quanto ela cresça, será pra sempre o meu macaquinho.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

La sirena di Napoli

Andava sem rumo pela cidade até que encontrou o mar. A beleza de Roma ofuscava ainda mais os segredos a serem revelados em Nápoles. Todos as estradas levam a Roma, nenhuma delas deveria sair. Seu corpo chegou na costa, entretanto, seus pensamentos haviam sido aprisionados em uma velha moeda de euro. Seus desejos repousavam no fundo das claras águas da Fontana di Trevi.

Foi retirado do seu limbo particular por um riso angelical. Seus olhos percorreram o horizonte para encontrar uma deusa no meio dos homens. Nem mesmo a Capela Sistina poderia se comparar em beleza, nem provocar tamanha impressão. A arquitetura do Panteão invejaria sua perfeição.

A mais bela criatura a pisar na terra fez com que parasse. Ela sabia que ele a encarava, estupefato. Seu sorriso malicioso e os olhos de Capitu agora o puxavam para mais perto. Se sentia sugado pelo vácuo entre eles.

Se sentou na muralha que separava a terra e o oceano. Seus ondulados cabelos castanhos ondulavam em sintonia com o mar. Olhos fechados. Foi quando ele ensaiou dar o último passo em sua direção que ela mergulhou na salgada água deixando apenas bolhas para trás.