sábado, 10 de maio de 2014

Mãe

Olhava quietinha ele dormir. Prendia a respiração com medo de acordá-lo, mesmo sabendo que era o mesmo sono pesado do pai. Os pequenos olhinhos fechados tranquilizavam. Custava a sair para trabalhar. O tempo tentaria transformá-lo, levá-lo para longe, pois que tentasse, protegeria o seu bebê. De tudo. As memórias começaram a emergir.

Nasceu mirrado antes do previsto, cabia na mão do pai. Era só pelanca. Tão feinho que mais parecia um ratinho pelado, mas não importava. Lá estava ele, o primogênito. Tinha planos para ele que agora eram frustrados pela quantidade de complicações. Aquele diminuto pedaço de gente dependia de alguém. Nada nesse mundo o tiraria de perto . Nada o machucaria.

Dava-lhe banho com água mineral para que não ficasse doente. O leite de cabra porque não podia com o de vaca. Longe do pai que não tinha juízo e o levava ao curral para ver os bichos. Noites em claro por conta das crises de asma. Ele cresceria forte, tinha essa certeza. Queria vê-lo ir aonde jamais sequer sonhara chegar. Queria vê-lo descobrir a cura para uma doença rara ou levar  paz ao Oriente Médio. O ajudaria no que fosse preciso.

- Que foi, mãe? - a voz embriagada de sono.
- Oh, filho, nada não. - se assustara mais do que deveria.- Já arrumou a mala?
- Depois, depois - já puxando a colcha pra cima e virando para o outro lado. -, num já falei que vou arrumar? Relaxe o bigode que vai dar tudo certo.
- Mas Dieguinho, meu filho, pelo amor de Deus, Dieguinho, ói sei não, viu? - desconversou ainda meio deslocada.- Você que vai viajar mesmo. Sei não, sei não. 

As lembranças tanto cobriram seus olhos que achava que iria ouví-lo acordar chorando. O seu bebê, o bebezinho da mãe, crescera e estava prestes a conquistar o que era seu por direito. Não poderia mais cuidar dele e teria que se conformar. Filho é assim mesmo, a gente cria pro mundo. 

Voltou ao quarto para confirmar e lá estava o sapequinha babando no travesseiro.

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