sábado, 25 de maio de 2013

Despedida - Apenas mais uma de amor (19)

Foi embora sem nem dizer adeus. Era questão de tempo, sabia disso, só não esperava ter sido assim. Nem um último beijo ou abraço, apenas um aceno e um sorriso, e só. Não tinha como adivinhar que ela não voltaria. Confundiu um até logo com um adeus.

Como pudera ser tão cego? Você só pode ter de volta aquilo que um dia foi seu. Estavam juntos, mas não eram um do outro. Por mais que enterrassem sob uma camada de ilusão, a realidade sempre ressurgia. A volta incessante da que não fora. Se deixaram envolver mais do que deveriam, foram além do que imaginaram, e mesmo assim não foram a lugar algum. Deixaram o porto seguro sem puxar a âncora pra dentro do barco. Ficaram onde estavam.

Um sorriso e um aceno. Aquele sorriso. O mesmo que o puxara para o centro do furacão, agora o devolvia para onde havia sido encontrado. Ah, se soubesse, se ao menos não tivesse guardado para si tudo aquilo que pertencia a ela. Todas as alegrias que deixou de provocar, toda raiva que deixou de aplacar, todas as palavras que não disse para não machucar, todas as oportunidades que deixou passar, e tudo isso para que? Ela foi embora do mesmo jeito que entrou, com um aceno e um sorriso. O maldito sorriso.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Mudança

Um menear de cabeça rápido e um sorriso amarelo. Foram amigos durante todo o ensino médio e agora era  apenas isso que restava. Ela havia mudado desde que entrara na faculdade. Nem ligava mais para chamar pra sair. Fizera novos amigos e esquecera dos velhos. Não podia culpá-la, desde o dia que se conheceram ele mesmo mudara bastante. Faz parte. A gente diz que as coisas irão ser para sempre de um jeito, mas não tem como. Todo mundo munda. Seja por necessidade ou pelas vidas que cruzam nossos caminhos. Nada mais seria do jeito que fora um dia. Agora eram praticamente estranhos um ao outro. Restava somente as lembranças.

Lembrou das conversas, das brigas, dos gostos compartilhados. Se soubesse que as coisas chegariam a esse ponto, teria pelo menos agradecido. Parou pra pensar em quantos melhores amigos ou amigas já tivera. Pessoas que não tinha sequer notícias. Uns mudaram de colégio, outros foram embora. Tiveram aqueles que se afastaram aos poucos e os que discutira. Sorriu. Quantas pessoas não o odiavam? Faz parte. Um dia você concorda, mas no outro discorda da pessoa. Mesmo assim, cada uma dessas pessoas era responsável por quem ele era hoje. Não tinha arrependimentos.

Tinha vontade de ir lá, dizer que sentia falta e que as coisas não eram mais as mesmas sem ela, mas não era verdade. A gente acaba aprendendo a viver sem. Continuamos evoluindo, mudando. É assim que as coisas devem ser. Todo estímulo, não importa sua natureza, provoca alterações. As pessoas que entram na nossa vida saem deixando um pedaço de si. Quantos existem dentro de você? Quantos ainda surgirão para adicionar peças a esse quebra cabeça? Pedia apenas para que, ao final, as memórias fossem boas. É, até que mudar não era tão ruim assim.

*
Foi até ela, sorriu e disse:

- Obrigado por ter despertado o escritor em mim.

Foi embora sem olhar para trás.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Chuva

Saiu de casa para espairecer, correr um pouco e esquecer dos problemas. Estava cansado de muita coisa, sentia o peso das decisões nas costas. Um martírio mental diário que já se estendia por semanas. Queria deixar o corpo tomar conhecimento da estafa pela qual sua alma passava. Nos fones de ouvido, deixava tocar apenas aqueles que padeceram dos mesmos sofrimentos. Queria uma mente vazia e um corpo dolorido, umas férias para a cabeça. A segunda música estava prestes a terminar quando sentiu o primeiro pingo lhe tocar a face.

Bastaram as primeiras gotas para seu mundo deixar o modo automático. Agora já sentia o corpo inteiro sendo pinicado pela chuva. A água gelada o despertara do transe de minutos atrás. Enxergava tudo por uma nova ótica. Estava vivo, e sentia isso. Aquele cheirinho de terra molhada o fez lembrar da infância no interior, do falecido pai que brincava com ele nas poças que se formaram. Todos os conselhos que deixara pra ele, tudo agora fazia mais sentido. Os amigos que estavam sempre por perto, o apoio que deram para ele seguir. A chuva que só aumentava parecia dar mais vida aos seus pensamentos. As preocupações que vinham guardadas a sete chaves, de uma por uma foram lavadas e levadas embora.

Eram momentos como esse que o faziam acreditar em Deus. Tudo que o afligia começou a se resolver quase que por mágica. Não conseguiria explicar como escolhera um rumo. Vai ver é esse poder misterioso que a chuva tem de transformar um ser humano num filósofo. Uma capacidade de amplificar os sentimentos. Com ela os pensamentos se tornam mais profundos, dramáticos, e as alegrias se externalizam. Ela que é a chave que destranca a janela da memória. Parou de correr. A janela de casa. Botou a mão na cintura e deu aquela gargalhada de desespero. Esquecera tudo aberto no apartamento. Resolveu um problema e ganhou outro. Mas quem disse que a vida é feita só de solução?