quarta-feira, 23 de maio de 2012

Cupcakes imaginários

Toda vez que vou visitar minha sobrinha ela me chama pra brincar de fazer bolo, mas não é só porque ela é menina que gosta de brincar disso. Minha irmã mais velha, também tia dela, faz cupcakes e ela deve ter se interessado enquanto observava. Não importa o lugar ou a hora, ela sempre faz bolinhos imaginários pra todo mundo, inclusive pra "papi" que está do outro lado do mundo. Apesar de não se importar com o lugar, quando vou visitá-la na escola, ela sempre corre pra casinha que tem um fogãozinho. Hoje não foi muito diferente.

Não a via há quase duas semanas. Estava ansioso pra ver o quanto ela havia crescido e se desenvolvido. Além de ter crescido uns vinte centímetros, agora está mais comunicativa. Porém, assim que me viu, fez o que sempre faz quando vou na escolinha: correu com um sorriso enorme no rosto, me deu um abraço, segurou minha mão e disse que queria "brincar de bolo". Como não resisto aos pedidos dela, deixei que me guiasse até a casinha. Lá, mandou que eu esperasse sentado do lado de fora, entrou e sentou no banquinho perto do fogão.

- Lin, vai fazer bolo pra quem hoje?
- Pra tio Diegooo!
- Então faça que eu vou esperar aqui.

Ela mexeu nas panelas por alguns instantes e estendeu o braço na minha direção com a mão fechada quando terminou.

- Aqui!
- Bote na minha mão preu comer, amor.
- Não. - respondeu puxando a mão para perto do corpo.
- Não? Mas o bolo não era pra tio Diego?
- É.
- Então por que você não quer me dar?
- O dinheiro, tio Diego.

E a espertinha tem só dois anos. Ainda bem que ela também aceita dinheiro imaginário como pagamento.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Apenas mais uma de amor (15)

Já estava desacreditado no amor há um bom tempo. Essa historinha de expressar os sentimentos, até mesmo tê-los, agora parecia muita estupidez. Ninguém podia culpá-lo. As decepções amorosas o levaram a blindar seu coração. Morresse de amores quem quisesse, estava decidido a sobreviver às desilusões da vida à dois. Demorou para se acostumar com essa nova filosofia, mas não sofreria por mais ninguém. Nunca mais nós.

Avisava antes mesmo de se apresentar. Não queria sofrer, mas também não queria enganar ninguém. Prometia a melhor noite da vida delas e só. Um segundo ou um terceiro encontro talvez. Tudo dependia de como elas lidavam com o fato de ser apenas físico. Nada de planos ou ligações para matar a saudade. Oi, como vai, ah, ah, valeu, foi bom, adeus.

Nem todas conseguiam lidar com isso. Não era ele que limitava o número de encontros, mas sim o psicológico delas. A maioria acreditava que iria mudá-lo ou que a conversa inicial era uma brincadeira pra quebrar o gelo. Boa parte delas, psicólogas, acreditavam poder curá-lo do seu trauma com relacionamentos. Essas eram as preferidas, faziam de tudo na tentativa de convertê-lo. Porém, foi pela única que pareceu não se importar, que ele pareceu se apaixonar.

Estavam deitados nus debaixo dos lençóis. Era o sexto encontro deles. Os pais dela tinham viajado, deixando o apartamento vazio para os dois. Ambos ainda arfavam quando o medo se tornou real:

- E aí? - perguntou enquanto encostava o queixo no peito dele, os olhos claros parecendo varrer a mente dele em busca da resposta.
- E aí o que? - sabia o que ela queria dizer, mas não queria deixar a conversa fluir, não dessa vez, não com ela.
- A gente, como é que a gente fica depois de hoje?

O brilho nos olhos dela era especial, único, mas agora já era tarde. Iria sentir falta deles, entretanto, não arriscaria tudo que havia protegido. Do jeito que as coisas se encaminhavam, tudo indicava que acabariam juntos, mas não, ela tinha que ter apressado as coisas. Era a coisa certa a se fazer. Ela merecia uma pessoa que entrasse num relacionamento por completo.

- Você assistia muito desenho quando era mais nova?
- Hã? - a mudança repentina de assunto a pegou de surpresa. - Desenho animado? Assistia...por quê?
- Sabe aqueles desenhos de ninja?
- Sei...- a conversa, cada vez mais estranha, a fez sentar na cama.
- Então, não tinha umas bombinhas de fumaça? To usando uma agora. Puff, adeus.

Pegou suas coisas e foi embora antes dela poder processar os fatos. Sentiria sua falta.


sábado, 28 de abril de 2012

Conversávamos há algumas horas quando, não me lembro bem como, o assunto enveredou pelo caminho religioso. Apesar de acreditar que política, religião e Hitler, não se discutem, tenho imenso prazer em debater qualquer um dos três assuntos com pessoas que estejam dispostas a criticar e ter suas ideias criticadas. A conversa rendeu por um bom tempo. Relatos esotéricos misturavam-se com piadas e histórias engraçadas. Enquanto os outros dialogavam entre si, a Bruna virou-se para mim e disse que tinha uma pergunta a fazer:

- Bem, você conversa com Deus?

Simples e direto. Não queria responder, mas não tinha pra onde fugir.

- Claro que converso, amor.
- Quando acorda e quando vai dormir?
- Também, só que é mais quando to no bar bebendo. Sempre puxo uma cadeira pra Ele sentar e a gente trocar umas ideias.
- Ave Maria, eu aqui falando sério com você e você vem com essas brincadeiras bestas.

Mulheres, bah. Sempre fazendo perguntas com respostas que não querem ouvir.

- Eu to falando sério, você que acha que to de sacanagem.
- Ô, bem, eu só te fiz uma pergunta. Se não queria responder, também não precisava falar assim.
- Mas é sério! Quem você acha que me traz pra casa são e salvo todas as vezes que eu bebo?

Ponto para mim. Fé é que nem inteligência: cada um tem a sua e muita gente não tem nenhuma. Ela se manifesta de maneira diferente em cada indivíduo. Se Deus é onipresente, por que eu deveria ir à igreja conversar com Ele?

Alguns minutos depois, disse que achara bonito o que eu havia dito. É, a fé se manifesta de maneiras imprevisíveis.




quinta-feira, 19 de abril de 2012

Santo Expedito

Estava no meio dos fiéis. Era o seu primeiro link ao vivo no canal cristão, fora escalado para fazer a cobertura das comemorações pelo dia de Santo Expedito. Conversou com alguns fiéis, entrevistou o padre da paróquia, mas não estava satisfeito. Queria uma história surpreendente, que marcasse e comovesse os telespectadores. Procurou, procurou, até que, por fim, encontrou uma senhora gorda, um tanto quanto peculiar, em pé no canto. A mulher cantava e rezava aos berros enquanto, ao seu lado, ajoelhado, um senhor mirrado, com uma expressão desesperadora, orava rapidamente em voz baixa, quase sussurrando. Imaginou o quão bom o pedido dela seria para a audiência e dirigiu-se até eles enquanto esperava o próximo chamado.

- Ó DEUS, QUE INTERCESSÃO DE SANTO EXPEDITO NOS RECOMENDE JUNTO A VOSSA DIVI...
- Senhora? -disse sem muitas esperanças de ser notado.
- NA BONDADE, A FIM DE QUE, PELO SEU AUXÍ...
- MOÇA!
- Vixe, que susto, menino! - falou levando a mão ao peito.- Mais um pra reclamar da altura das minhas orações, aposto. Olhe, eu estou na casa do Senhor e só ele pra me fazer falar mais baixo.
- Calma, calma, não é nada disso não. Eu sou repórter e preciso de uma história comovente pra fechar a matéria, mas não pode ser uma qualquer. Como a senhora foi a pessoa que mais me chamou a atenção, vim aqui pra saber o motivo dessas preces serem assim tão altas -recebeu o chamado pra voltar pro ar- só que eu to com um pouco de pressa e a senhora...? -5,4.
- Mas o motivo...
- O nome da senhora!? -3,2.
- Benita,mas... -1.
- Isso mesmo, o número de fiéis não para de aumentar por aqui, todos vindo agradecer pelas graças alcançadas ou pedir pela intervenção do Santo nos problemas que eles não encontraram solução. São histórias comoventes como a da Dona Benita que estava há poucos instantes orando fervorosamente para que as suas preces possam ser ouvidas. O que a senhora tanto pede ao Santo?
- Oh, meu filho, de hoje que eu tento te dizer, num vim aqui pedir nada pra mim não, é pro meu marido. Vim aqui pra ver se o Santo dá um jeito pra mo do infeliz voltar a sentir tesão pra gente voltar a esquentar as noites. To velha, mas num to morta ainda não. -Virou-se rindo e pôs se a horar aos berros novamente.

A sua ideia de história-comovente-para-encerrar já estava quase indo pelo ralo, quando lembrou que o pobre coitado que estava ao lado dela ainda poderia salvar o emprego dele. Com um sorriso amarelo, pediu desculpas e, apostando tudo numa última empreitada, se ajoelhou para conversar com aquele senhor:

- Mas e o senhor, está aqui por quê?
- Pra garantir que não seja por ela.

E voltou a rezar desesperadamente.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Carlinhos

A primeira coisa que escutei do engenheiro no estágio foi:

- Conseguiu subir a ladeira com carro? Deu sorte, basta chover um pouco mais pra não chegar ninguém aqui em cima.

A chuva não deu trégua durante o resto do dia. Era o meu primeiro dia de trabalho e eu não queria fazer corpo mole, desci para o campo e conheci a obra e os funcionários. Dezesseis blocos de três andares cada, espalhados por uma área toda coberta por barro. A lama era suficiente para cobrir o meu pé inteiro. Mesmo assim, cumpri o meu papel sem reclamar. Quem achou ruim foi a minha mãe quando me viu entrar em casa com as botas imundas sujando o chão. Dois dias depois ela percebeu que tudo na vida pode piorar.

O céu desabava do lado de fora. São pedro, achando pouca a desgraça nos meus dois primeiros dias de trabalho, resolveu descarregar toda a água que ainda estava acumulada nas nuvens de uma só vez. Minha mãe, que nunca me deixou faltar aos meus compromissos, perguntou se realmente eu iria trabalhar. Como era o meu terceiro dia ainda, botei na cabeça que iria mostrar serviço, nem que não fizesse nada por lá, apareceria. Foi só ao terminar de me vestir que lembrei das palavras do engenheiro, por sorte, também lembrei que o meu pai conhecia algumas pessoas que moravam perto da obra. Quando expliquei pra ele que não conseguiria subir de carro e que precisava deixar o meu carro embaixo para subir caminhando, ele me mandou procurar um tal de Carlinhos na primeira casa depois da entrada. Foi o que fiz.

Foi difícil encontrar a casa. Mesmo com o desembaçador ligado, continuava sem enxergar nada direito. Quando finalmente encontrei, o portão já estava aberto e, como não vi ninguém, resolvi entrar. Parei o carro na frente da única porta da casa que se encontrava aberta e buzinei. Surgiu então um homem barrigudo, sem camisa, uma mulher com uma criança no colo e mais duas agarradas na perna. Deduzi que ele era a pessoa pela qual deveria procurar, mas resolvi ir com calma:

- Bom dia, estou procurando o senhor Carlos que mora aqui.
- Bom dia - respondeu meio desconfiado-, mas você vai me desculpar. Aqui não tem nenhum Carlos não.

Comecei a imaginar que estava na casa errada, mas como meu pai conhecia muita gente pela região, arrisquei mais um pouco pra ver no que dava:

- É o seguinte, eu trabalho nessa obra aí do lado, mas nessa chuva não tem como subir de carro. Meu pai me disse que eu viesse aqui atrás do sr. Carlos que ele deixaria eu estacionar o carro na casa dele.
- Como eu já te disse, aqui não tem nenhum Carlos não, mas como é o nome do seu pai?
- Homero, Homero Felizola.
- Ah, rapaz, eu conheço ele. Pode deixar o carro estacionado ali na frente que a gente toma conta.
- Pô,cara, brigadão mesmo. O senhor é que é o dono da casa?
- Não,não, quem mora aqui é Carlinhos, mas ele deu uma saidinha.

E depois disso eu ainda tive que caminhar um quilômetro e meio com o barro cobrindo a calça e a chuva batendo forte no rosto pra chegar na obra e escutar do apontador:

- Você é doido de vir trabalhar nessa chuva, é? Nem os engenheiros e nem os técnicos vieram hoje, Vá pra casa, negão, que você ganha mais.


terça-feira, 3 de abril de 2012

Sete pecados - Gula

Há quanto tempo já não ficava excitada daquele jeito? Fez um esforço, mas desistiu. Não iria e nem queria lembrar. Estava decidida sobre mais uma mudança na sua vida. Mais um grande salto que daria na vida. Nem o Papa a impediria. Ele que entendesse que a necessidade fazia o homem, e a mulher também. Deus haveria de perdoá-la,nessa vida ou nas que viessem.

Não era sua culpa, o marido que arcasse com ela. Foram os erros dele que levaram-na a pecar. Chegou em casa com umas conversas esquisitas que ouvira do padre durante a missa. Tinham acabado de se casar na época, era hora de aproveitar os momentos a sós que não tiveram quando saiam para namorar. A mãe dele, muito ciumenta, que não deixava os dois em paz, o pai dela, coronel, que só permitia as saídas deles se levassem os cunhados juntos. Tudo que chegaram até chegar naquele ponto pareceu ter sido em vão depois de escutar a boa nova. Mais uma privação em nome do amor que tinha por ele.

Foram meses difíceis. Tentava mudar foco,mas não deixavam, as amigas principalmente. Toda vez que se encontravam, não importava por onde começavam, o assunto sempre voltava para aquele-que-não-deveria-ser-comentado. Uma falava que o do marido era o melhor, a outra defendia que o do dela era mais suculento, ao ponto de dar água na boca, mas ela só desconversava. Não tinha muita competência para falar do assunto, algumas vezes até mentia para não ficar por baixo. Acabou por se encher da palhaçada do marido. Ele quisesse resistir, que fosse sozinho. Ela se entregaria aos prazeres da carne.

Saiu de casa preparada. Foi direto ao local certo. Disse o que queria e as suas intenções ao primeiro que passou. Estava sedenta, era perceptível. Ele a levou para um lugar mais vazio, ali ela saciaria a sua vontade em paz. Pediu que ela sentasse, voltaria em instantes para satisfazê-la. Voltou já preparado, do jeito que ela tanto desejara. Lambeu os beiços para o pedaço de carne que se aproximava da sua boca. Se arrepiou toda quando sentiu aquele calor tão vivo encostar seus lábios. Gemeu baixinho. Cada centímetro do seu corpo pedia por mais. Isso, continue. Ficou ali sentadinha até atingir um orgasmo gastronômico.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Gran finale

Estava decidida. Definitivamente estava cansada também. Há alguns meses já vinha desconfiando da fidelidade do marido, mas sem nunca encontrar nenhuma prova das traições. As coisas pioraram quando os vizinhos começaram a perguntar sobre a mulher que sempre vinha visitar o marido enquanto ela não estava. Ele, é claro, desconversava. Safado. Ela podia ser boba, mas não burra. Pediu para que a avisassem da próxima vez que a tal mulher aparecesse. Foi justamente por conta da ligação que recebeu minutos antes, que decidiu pegá-lo no flagra.

Ligou para o celular dele para avisar que demoraria a chegar em casa. Precisava deixá-lo à vontade para ter certeza que não teria dúvidas do que estava acontecendo quando chegasse. Nada a não ser a caixa de mensagens. Seria o primeiro e último aniversário de casamento dos dois. Queria só ver a desculpa que o filho da mãe daria.

Entrou em casa calada e fechou a porta devagarinho. Escutava as molas da cama gemendo no quarto. Todas as janelas e cortinas estavam fechadas, dando um ar de abandono por conta da escuridão, provavelmente para esconder a safadeza dos vizinhos, mas ela usaria isso ao seu favor. A outra não teria lugar nenhum por onde fugir a não ser passando por ela na porta. Estava caminhando lentamente ao encontro dos dois quando o barulho que vinha das molas do colchão parou. Escutou o barulho dos lençóis e de passos rápidos. Escutou o baque seco da porta do guarda-roupa, correu e acendeu a luz:

- Que palhaçada é essa aqui? -disse vasculhando o quarto com os olhos à procura da outra ou de algum dos pertences dela.
- Que palhaçada? -o descarado estava apoiado no encosto e com as mãos cruzadas sobre o lençol como se nada tivesse acontecido.
- Eu sei que você tem outra, eu e todo mundo aqui no bairro. Cadê o seu celular? De hoje que te ligo e você não atende.
- Meu amor, não poderia atender o meu celular nunca. Esse tempo todo ele esteve com você.
- Comigo!? Você tá ficando doido? Você não me deixa nem chegar perto daquele aparelho, diz que é invasão de privacidade, mas agora eu entendi tudo. Não me trate como idiota.
- Conte até três, respire fundo e abra a sua bolsa.
- Você tá de sacanagem comigo, né? -contou até dez e respirou bem fundo para não voar no pescoço dele- Se esse celular estivesse aqui, eu teria escutado ele toc... Mas como ele veio parar aqui?! Eu tenho certeza de que não peguei nele e eu teria escutado caso ele tocasse.
- Vai ver você estava tão concentrada nisso que não percebeu e...
- Não me venha com essa conversa! Ainda não terminei com você. Tinha uma vagabunda e eu sei que ela está aqui, não to ficando doida. Escutei ela se escondendo -começou a chorar caminhando em direção ao guarda-roupa- a nossa história termina aqui.
- Se você tem certeza do que está fazendo, não vou te impedir, mas por que você não respira fundo e conta até três?

Não fez o que ele pediu apenas porque considerou aquilo como um último pedido de um condenado à morte, mas porque precisava daquilo para se controlar quando desse de cara com quem quer que estivesse lá. Quando puxou a porta não acreditou no que viu. Se não fosse pelas roupas dos dois, estaria vazio. Arrastou-o um pouco para ver a parte de trás, mas nada. Rodou o quarto todo e nem sinal de mulher alguma, marca de batom, perfume, maquiagem na fronha do travesseiro, peça de roupa, nada.

Ele tirou um buquê e uma caixa de bombons finos debaixo do lençol:

- Surpresa, feliz aniversário de casamento! -gritou sorrindo.
*
Anos mais tarde, ele divertia os netos com os truques que costumava encantar as plateias quando a mulher lembro do ocorrido. Ela foi ao seu encontro e sussurrou no seu ouvido:

- Como foi que você fez aquilo?

Ao que ele prontamente respondeu, sem nem tirar os olhos das crianças:

- Um mágico nunca revela seus truques.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Teste de nivelamento

Estávamos todos reunidos na casa dos meus avós. Meu tio que mora em Salvador estava aqui também, o que implica alguma data comemorativa, só não recordo qual. Esperávamos esse mesmo tio voltar do aeroporto com o filho para que pudéssemos começar a almoçar. Assim que ele chegou, nos espalhamos pela mesa, móveis e sofá para comer. Quem almoça em casa de vó no final de semana sabe bem como é: nunca falta comida, mas só os mais velhos e os mais rápidos têm bons lugares para comer.

O meu primo estava, depois de um ano, voltando do seu intercâmbio no Canadá. Como ele não mora aqui, não temos muito contato, mas uma viagem dessas não se guarda para si, então, eu e Augusto sentamos à mesa para escutar as histórias que Breno tinha para contar. No meio da conversa, fomos interrompidos pelo meu avô que já chegou abrindo espaço para sentar entre os outros dois:

- Dê uma licencinha aqui, meu filho, pro seu avô sentar - disse ajeitando a cadeira de forma que os dois pudessem se olhar com ele no meio-, quer dizer que você agora sabe falar o inglês?
- É, vô, deu pra aprender algumas coisas - disse Breno já meio sem jeito-, mas ainda tem muita coisa pra aprender.
- Sei, sei...Augusto tá fazendo um cursinho aqui, quero ver você falando aqui com ele pra gente ver se tá valendo à pena.

Os dois ficaram ali, parados, apenas olhando do outro para o meu avô, ambos achando que era tudo parte de alguma brincadeira dele. Até que perceberam que o coroa estava falando sério. Ainda encabulados, engataram uma conversa sem muitos rodeios, respostas simples e diretas. O velho Eurípedes acompanhava a conversa com o olhar e os braços cruzados. E ali do lado só rindo, admirado que o meu avô conseguia acompanhar tudo. Queria saber se os dois estavam mesmo dominando o idioma. Quando viu que os dois já estavam diminuindo o ritmo da conversa, interrompeu novamente:

- Pronto, tá bom. E aí Breno, seu primo tá sabendo falar direitinho?
- É, só tá precisando melhorar algumas coisas, mas fora isso tá tudo certinho.
- E você, Augusto, me diga aí o que foi que você entendeu da conversa com seu primo.
- Rapaz...ele tava me contando como eram algumas coisas lá no Canadá e me falando um pouco da viagem.
- Foi mesmo? Certeza? Eu escutei ele falando mais um monte de coisa...
- Resumindo foi isso, mas o senhor entendeu a conversa pra tá sabendo que faltou algo, foi?
- Meu filho, e eu lá entendo porra nenhuma dessas coisas. Vocês falaram um monte de coisa aí e depois você veio querendo me enrolar com uma resposta sapecada.

E foi assim que eu descobri que o meu avô não entendia nada da língua inglesa, mas que tinha experiência de sobra pra saber que estava sendo enrolado. Os três ali tinham uma boa fluência, mas ele era o verdadeiro mestre.