quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Sete pecados - Ira

Eram quase onze horas quando o telefone tocou no meu quarto. O recepcionista avisou que dois dos meus oficiais chegavam para a reunião. Os negócios estavam mal. O número de territórios perdidos só aumentava. Tive até que me mudar para a cobertura de um hotel para fugir dos atentados que tornaram-se frequentes. Em pouco menos de três meses, o meu poder não era nem um quarto do que fora, mas a minha Gomorrah não iria ser destruída assim tão fácil. Muito menos por um filho da puta que fazia questão de escrever Angel of Sodom por toda a cidade. Mandei que subissem, o gerente não queria pessoas cheias de cicatrizes pelo salão.

Não o reconheci quando entrou no quarto, mas soube quem era assim que os nossos olhos se encontraram. Era grande e forte, mas não era dois, nem mesmo um dos meus homens. Apesar do rosto um pouco desfigurado, estava vivo. Não devia, estava morto. Morrera no meu lugar. Usei o inútil de isca para fugir de uma cilada e agora ele estava diante de mim. Vivo e com uma glock na mão. O merdinha estava de volta. O bom filho à casa retorna. Nele não sobrara nada do cagão de dezessete anos atrás, apenas o olhar que adotara após a morte da mãe.

Tudo o que eu queria era criar um filho que cuidasse do meu império. Alguém que eu pudesse confiar pra assumir na minha ausência. Entretanto, o destino me foi cruel, mandou um bostinha. Não existia criatura mais incapaz e sem vontade do que ele para me substituir. Peguei nojo. Toda a minha frustração descontava na mãe dele. Nem assim ele reagia, se encolhia num dos cantos e chorava. Reagiu apenas no dia em que me descontrolei. Ele estava na cozinha quando escutou os gritos da mãe na sala. Quando chegou, não tinha mais barulho algum. Depois disso, não mais chorou, pelo contrário, vivia me olhando. Não me dirigia uma palavra sequer, mas os seus olhos diziam que a vingança não tardaria. Como no meu ramo fica de pé quem atira primeiro, usei o idiotinha e resolvi dois problemas com uma coronhada só.

Como o tempo muda as coisas, antes o olhava de cima e agora tenho que levantar a cabeça para encará-lo. O escrotinho mandou uma bala em cada perna assim que abri a boca. Caí no chão e fiquei deitado agonizando. Disparou mais duas vezes, uma em cada braço. Em poucos segundos, meus órgãos entraram em falência por causa da hemorragia. Antes do último suspiro, ele se abaixou ao meu lado e se aproximou. Quem é o merdinha agora? Atrás dele, desenhado com o meu sangue, estava escrito Angel of Sodom.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Apenas mais uma de amor (11)

Vontade mundana que desperta,
Frente à presença da desconhecida.
Do experiente a alma devora,
Da inocente a mente aturdida.

Diante do pecado que aflora,
Reage antes que mane sentimento:
Fecha as portas para a tentação,
Foge da coisa de momento.

Exorcizado o medo da ilusão,
Acredita o cavaleiro que tem o controle.
Enganava-se pois tola não era a donzela,
Que protegia o seu coração na torre.

A mão que avança sem cautela,
Deixa a morte levar um pedaço.
O luto que não impede a luta,
A vitória com a ajuda do acaso.

Escapa da boca a paixão sem culpa,
Seguida do pedido de namoro planejado.
A busca da perfeição que promete,
Acompanhada pelo amor elucidado.

Amor pelo olhar que mesmo calado conhece,
Acostumado pelas manias do cúmplice.
Pelo sorriso por baixo do lábio carnudo,
Pelo corpo que ao dele moldava-se.

Abrem-se as cortinas após o prelúdio,
Mostra o destino seu melhor trabalho.
Do final da peça, os dois sabem nada,
Assistirão com calma, ato por ato.

Metade de um ano que se passa,
Pelo caminho fica o amor escrito.
Fruto de mentes ensandecidas,
Do desejo outrora proibido.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Culpa

Aracaju, algum dia-algum mês-2030.

15hs.




A cidade quase que completamente deserta abriga um casal de meia idade sentados sobre um grande lençol no que outrora foi o gramado do Parque da Sementeira. Outrora, pois hoje nada resta além do chão seco e das peças do que também já fora uma construtora. Sim, entre 2020 e 2021 o espaço que era do parque foi vendido para uma grande construtora que colocou ali sua sede, mas não deu certo e a empresa veio a falência alguns anos mais tarde.

Sentados ali, o casal com seus 40 e poucos anos lembravam...

*

No shopping da cidade, nesse mesmo horário, a quantidade de pessoas ali presentes sufocava umas as outras na ínfima tentativa de estar num lugar fresco, um dos poucos lugares que ainda conseguiam manter ar-condicionado.

A partir do século XXI, o uso desse aparelho deixou de ser luxo para se tornar conforto, com os passar dos anos, de conforto chegou a ser necessidade e mais perto da data atual, raridade de poucos. O que acontecera é que a grande procura causara uma pane nas empresas que forneciam os produtos, e a falta de matéria-prima ajudou a criação da lei que agora vigorava permitindo que apenas locais públicos tivessem o aparelho.

Então cada vez mais pessoas se deslocavam quase que diariamente para esses locais, na tentativa de diminuir o calor que assolava a cidade, o estado, o país...o mundo. O problema é que a quantidade de gente ali não permitia que o efeito dos condicionadores de ar fosse meramente percebido...e o calor aumentava.

*

Os aeroportos fechados por falta de empresas aéreas. Os poucos países que ainda se mantinham “saudáveis”, ou seja, não afetados pelas mudanças climáticas e outros problemas que deixaram grande parto do planeta morto, não aceitavam estrangeiros: tinham medo de que provocassem em seus países, suas fortalezas, o mesmo que fizeram em suas pátrias.

*

De volta ao parque...o homem olhava o que um dia já fora um lago, lembrava de como eram as tardes que passava ali, olhando a paisagem, sem dar valor ao que via. Lembrou de como as coisas foram mudando, como as pessoas culpavam o governo, exigiam resolução dos problemas, mas nada faziam...ninguém.

A mulher lembrou como acharam uma grande ideia trocar o parque por uma construtora...evolução! Engano.

As coisas mudaram, pioraram, e ninguém percebeu até que já era tarde demais. Nada agora podia ser feito.

Deitaram-se. Sentiram o rosto queimar pelo sol forte. A temperatura de 53º não permitia a menor brisa. Poucos segundos com as costas no chão sentiam a pele queimar. Era o fim. E a culpa...era deles. De todos.