sábado, 28 de abril de 2012

Conversávamos há algumas horas quando, não me lembro bem como, o assunto enveredou pelo caminho religioso. Apesar de acreditar que política, religião e Hitler, não se discutem, tenho imenso prazer em debater qualquer um dos três assuntos com pessoas que estejam dispostas a criticar e ter suas ideias criticadas. A conversa rendeu por um bom tempo. Relatos esotéricos misturavam-se com piadas e histórias engraçadas. Enquanto os outros dialogavam entre si, a Bruna virou-se para mim e disse que tinha uma pergunta a fazer:

- Bem, você conversa com Deus?

Simples e direto. Não queria responder, mas não tinha pra onde fugir.

- Claro que converso, amor.
- Quando acorda e quando vai dormir?
- Também, só que é mais quando to no bar bebendo. Sempre puxo uma cadeira pra Ele sentar e a gente trocar umas ideias.
- Ave Maria, eu aqui falando sério com você e você vem com essas brincadeiras bestas.

Mulheres, bah. Sempre fazendo perguntas com respostas que não querem ouvir.

- Eu to falando sério, você que acha que to de sacanagem.
- Ô, bem, eu só te fiz uma pergunta. Se não queria responder, também não precisava falar assim.
- Mas é sério! Quem você acha que me traz pra casa são e salvo todas as vezes que eu bebo?

Ponto para mim. Fé é que nem inteligência: cada um tem a sua e muita gente não tem nenhuma. Ela se manifesta de maneira diferente em cada indivíduo. Se Deus é onipresente, por que eu deveria ir à igreja conversar com Ele?

Alguns minutos depois, disse que achara bonito o que eu havia dito. É, a fé se manifesta de maneiras imprevisíveis.




quinta-feira, 19 de abril de 2012

Santo Expedito

Estava no meio dos fiéis. Era o seu primeiro link ao vivo no canal cristão, fora escalado para fazer a cobertura das comemorações pelo dia de Santo Expedito. Conversou com alguns fiéis, entrevistou o padre da paróquia, mas não estava satisfeito. Queria uma história surpreendente, que marcasse e comovesse os telespectadores. Procurou, procurou, até que, por fim, encontrou uma senhora gorda, um tanto quanto peculiar, em pé no canto. A mulher cantava e rezava aos berros enquanto, ao seu lado, ajoelhado, um senhor mirrado, com uma expressão desesperadora, orava rapidamente em voz baixa, quase sussurrando. Imaginou o quão bom o pedido dela seria para a audiência e dirigiu-se até eles enquanto esperava o próximo chamado.

- Ó DEUS, QUE INTERCESSÃO DE SANTO EXPEDITO NOS RECOMENDE JUNTO A VOSSA DIVI...
- Senhora? -disse sem muitas esperanças de ser notado.
- NA BONDADE, A FIM DE QUE, PELO SEU AUXÍ...
- MOÇA!
- Vixe, que susto, menino! - falou levando a mão ao peito.- Mais um pra reclamar da altura das minhas orações, aposto. Olhe, eu estou na casa do Senhor e só ele pra me fazer falar mais baixo.
- Calma, calma, não é nada disso não. Eu sou repórter e preciso de uma história comovente pra fechar a matéria, mas não pode ser uma qualquer. Como a senhora foi a pessoa que mais me chamou a atenção, vim aqui pra saber o motivo dessas preces serem assim tão altas -recebeu o chamado pra voltar pro ar- só que eu to com um pouco de pressa e a senhora...? -5,4.
- Mas o motivo...
- O nome da senhora!? -3,2.
- Benita,mas... -1.
- Isso mesmo, o número de fiéis não para de aumentar por aqui, todos vindo agradecer pelas graças alcançadas ou pedir pela intervenção do Santo nos problemas que eles não encontraram solução. São histórias comoventes como a da Dona Benita que estava há poucos instantes orando fervorosamente para que as suas preces possam ser ouvidas. O que a senhora tanto pede ao Santo?
- Oh, meu filho, de hoje que eu tento te dizer, num vim aqui pedir nada pra mim não, é pro meu marido. Vim aqui pra ver se o Santo dá um jeito pra mo do infeliz voltar a sentir tesão pra gente voltar a esquentar as noites. To velha, mas num to morta ainda não. -Virou-se rindo e pôs se a horar aos berros novamente.

A sua ideia de história-comovente-para-encerrar já estava quase indo pelo ralo, quando lembrou que o pobre coitado que estava ao lado dela ainda poderia salvar o emprego dele. Com um sorriso amarelo, pediu desculpas e, apostando tudo numa última empreitada, se ajoelhou para conversar com aquele senhor:

- Mas e o senhor, está aqui por quê?
- Pra garantir que não seja por ela.

E voltou a rezar desesperadamente.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Carlinhos

A primeira coisa que escutei do engenheiro no estágio foi:

- Conseguiu subir a ladeira com carro? Deu sorte, basta chover um pouco mais pra não chegar ninguém aqui em cima.

A chuva não deu trégua durante o resto do dia. Era o meu primeiro dia de trabalho e eu não queria fazer corpo mole, desci para o campo e conheci a obra e os funcionários. Dezesseis blocos de três andares cada, espalhados por uma área toda coberta por barro. A lama era suficiente para cobrir o meu pé inteiro. Mesmo assim, cumpri o meu papel sem reclamar. Quem achou ruim foi a minha mãe quando me viu entrar em casa com as botas imundas sujando o chão. Dois dias depois ela percebeu que tudo na vida pode piorar.

O céu desabava do lado de fora. São pedro, achando pouca a desgraça nos meus dois primeiros dias de trabalho, resolveu descarregar toda a água que ainda estava acumulada nas nuvens de uma só vez. Minha mãe, que nunca me deixou faltar aos meus compromissos, perguntou se realmente eu iria trabalhar. Como era o meu terceiro dia ainda, botei na cabeça que iria mostrar serviço, nem que não fizesse nada por lá, apareceria. Foi só ao terminar de me vestir que lembrei das palavras do engenheiro, por sorte, também lembrei que o meu pai conhecia algumas pessoas que moravam perto da obra. Quando expliquei pra ele que não conseguiria subir de carro e que precisava deixar o meu carro embaixo para subir caminhando, ele me mandou procurar um tal de Carlinhos na primeira casa depois da entrada. Foi o que fiz.

Foi difícil encontrar a casa. Mesmo com o desembaçador ligado, continuava sem enxergar nada direito. Quando finalmente encontrei, o portão já estava aberto e, como não vi ninguém, resolvi entrar. Parei o carro na frente da única porta da casa que se encontrava aberta e buzinei. Surgiu então um homem barrigudo, sem camisa, uma mulher com uma criança no colo e mais duas agarradas na perna. Deduzi que ele era a pessoa pela qual deveria procurar, mas resolvi ir com calma:

- Bom dia, estou procurando o senhor Carlos que mora aqui.
- Bom dia - respondeu meio desconfiado-, mas você vai me desculpar. Aqui não tem nenhum Carlos não.

Comecei a imaginar que estava na casa errada, mas como meu pai conhecia muita gente pela região, arrisquei mais um pouco pra ver no que dava:

- É o seguinte, eu trabalho nessa obra aí do lado, mas nessa chuva não tem como subir de carro. Meu pai me disse que eu viesse aqui atrás do sr. Carlos que ele deixaria eu estacionar o carro na casa dele.
- Como eu já te disse, aqui não tem nenhum Carlos não, mas como é o nome do seu pai?
- Homero, Homero Felizola.
- Ah, rapaz, eu conheço ele. Pode deixar o carro estacionado ali na frente que a gente toma conta.
- Pô,cara, brigadão mesmo. O senhor é que é o dono da casa?
- Não,não, quem mora aqui é Carlinhos, mas ele deu uma saidinha.

E depois disso eu ainda tive que caminhar um quilômetro e meio com o barro cobrindo a calça e a chuva batendo forte no rosto pra chegar na obra e escutar do apontador:

- Você é doido de vir trabalhar nessa chuva, é? Nem os engenheiros e nem os técnicos vieram hoje, Vá pra casa, negão, que você ganha mais.


terça-feira, 3 de abril de 2012

Sete pecados - Gula

Há quanto tempo já não ficava excitada daquele jeito? Fez um esforço, mas desistiu. Não iria e nem queria lembrar. Estava decidida sobre mais uma mudança na sua vida. Mais um grande salto que daria na vida. Nem o Papa a impediria. Ele que entendesse que a necessidade fazia o homem, e a mulher também. Deus haveria de perdoá-la,nessa vida ou nas que viessem.

Não era sua culpa, o marido que arcasse com ela. Foram os erros dele que levaram-na a pecar. Chegou em casa com umas conversas esquisitas que ouvira do padre durante a missa. Tinham acabado de se casar na época, era hora de aproveitar os momentos a sós que não tiveram quando saiam para namorar. A mãe dele, muito ciumenta, que não deixava os dois em paz, o pai dela, coronel, que só permitia as saídas deles se levassem os cunhados juntos. Tudo que chegaram até chegar naquele ponto pareceu ter sido em vão depois de escutar a boa nova. Mais uma privação em nome do amor que tinha por ele.

Foram meses difíceis. Tentava mudar foco,mas não deixavam, as amigas principalmente. Toda vez que se encontravam, não importava por onde começavam, o assunto sempre voltava para aquele-que-não-deveria-ser-comentado. Uma falava que o do marido era o melhor, a outra defendia que o do dela era mais suculento, ao ponto de dar água na boca, mas ela só desconversava. Não tinha muita competência para falar do assunto, algumas vezes até mentia para não ficar por baixo. Acabou por se encher da palhaçada do marido. Ele quisesse resistir, que fosse sozinho. Ela se entregaria aos prazeres da carne.

Saiu de casa preparada. Foi direto ao local certo. Disse o que queria e as suas intenções ao primeiro que passou. Estava sedenta, era perceptível. Ele a levou para um lugar mais vazio, ali ela saciaria a sua vontade em paz. Pediu que ela sentasse, voltaria em instantes para satisfazê-la. Voltou já preparado, do jeito que ela tanto desejara. Lambeu os beiços para o pedaço de carne que se aproximava da sua boca. Se arrepiou toda quando sentiu aquele calor tão vivo encostar seus lábios. Gemeu baixinho. Cada centímetro do seu corpo pedia por mais. Isso, continue. Ficou ali sentadinha até atingir um orgasmo gastronômico.