quinta-feira, 15 de abril de 2010

Obscuro

Ele já estava lá quando me mudei.

Não demorei muito a sair da casa dos meus pais. Era tudo o que mais queria. Ninguém para encher o saco ou tarefas a serem cumpridas. Tudo ao meu tempo, tudo do meu jeito. Estava prestes a entrar no paraíso, mas entrei na rua errada e estacionei no inferno.

O apartamento em si não era lá essas coisas, mas dava para o gasto. Dois quartos com suíte, sala, cozinha, lavanderia e um armário que nunca descobri a real serventia, apenas guardei as minhas tralhas e tranquei. Tinha alguns poucos móveis, quase nenhum eletrodoméstico. Achei que não sentiria falta deles no começo. Estava errado.

A primeira vez que escutei aquela voz, estava deitado na cama lendo o jornal. Ela dizia estar com vontade de matar alguém. Tinha uma sede de sangue que precisava ser saciada. Deixei-a de lado por achar que tinha vindo da televisão de um dos vizinhos. Na segunda vez, tinha acabado de chegar estressado do trabalho e a voz se ofereceu para matar o meu chefe. Depois disso, não tive mais como culpar a tv. Dia após dia, noite após noite, aquela voz me tirava o sono. Era só colocar os pés em casa para que começasse a escutá-la. Achei que estava enlouquecendo.

Fui atrás de médicos e psicólogos, até exorcistas levei para casa. Nada dava certo, assim que eles iam embora, ela voltava. Já estava farto quando decidi que iria encontrá-la eu mesmo. Procurei nos quartos, nas suítes, na sala, na cozinha e na lavanderia, mas não encontrei nada. Isso só podia signifcar duas coisas: ou a voz vinha do armário ou eu realmente estava louco.

Quando parei de frente para o armário, o coração acelerou e o corpo pressentiu o medo. Ele já estava lá quando me mudei. Bastou que eu encostasse na maçaneta para descobrir que ele estava sentado em cima da pilha de coisas que eu não queria que ninguém visse. Fiquei parado, estupefado demais para fazer qualquer coisa. A verdade me atingira com força suficiente para me derrubar. Se não fosse pela mão na porta, com certeza teria desabado. Voltei para a casa dos meus pais na mesma hora, saí sem levar nada.

A porta daquele armário ficou para trás, fechada, separando o meu maior medo, de mim. Ele já estava lá quando me mudei porque ele esteve comigo durante toda a minha vida, só não tinha percebido ainda. Quem diria que o meu maior medo seria ficar a sós comigo mesmo?

7 comentários:

Duca disse...

No começo eu achei que você tava falando de Harry Potter, depois passei pro Sexto sentido.
Voltei a Harry Potter com o armário do mal...
o.O
Que medo desse post!!!
Ficou fera!!!!

ff9

Augusto Felizola Garcez disse...

à la stephen king, Bravo !
uma teoria do inconsciente, na nossa rotina consciente.

Eva Cidrack disse...

Menino, desculpe a invasão, mas tive que passar aqui para comentar! Adorei o seu texto! Sério, muito mesmo. Me prendeu a atenção até o fim e teve um desfecho perfeito. E quem nunca teve medo de conviver consigo mesmo?

Anônimo disse...

Muuuito bom o texto Dieguito. Conseguiu prender minha atenção até o fim. ;D

No começo eu achava que havia uma outra pessoa na casa, mas depois comecei a me tocar e antes de você começar a mencionar o armário, já comecei a pensar que a "voz" estava vindo de lá.

Kinha disse...

Já no meio do texto tava pensando quem estava dentro do armário Oo
Não tinha como parar de ler... Muito bom o final, e a historia toda em si ^^
=o***

Luiza disse...

Nossa, que criatividade!
Esse ai ficou muuuito bom Diego! Parabéns!

Duca disse...

Ei, quero te mandar "Obscuro 2 - As coisas como realmente são" =P