sábado, 10 de agosto de 2013

Fuga

O pensamento ia longe enquanto olhava a escuridão pela janela do carro. Escutava as vozes chorosas, mas tentava não prestar muita atenção. Não era com elas que deveria estar preocupado. Pensava no que estava esperando quando chegasse em casa. Era o motivo pelo qual elas choravam e não escaparia facilmente. Não dessa. Não daria tempo nem pra dizer que poderia explicar e que estava tudo bem, ele viria implacável para cima. Nunca apanhara, mas sempre há uma primeira vez.

Há muito tempo as coisas já não estavam bem. Tudo ruía ao redor, mas não quis pedir ajuda. Era adolescente, e adolescente tem dessas ideias mesmo de fugir de casa. Todos imaginaram como seria, arquitetaram um plano, mas poucos tiveram a coragem, pra não dizer estupidez, de sair de casa sem rumo ou dinheiro no bolso. Agora que estava ali sentado, alheio às lágrimas que davam lugar aos sorrisos e novamente viravam lágrimas, pensava no tamanho da idiotice que tinha feito. Seria uma surra Homérica, literalmente.

O tempo parecia se esticar à medida que caminhava em direção à porta. Um insight perpassou a mente naquele momento, era assim que se sentia um condenado à morte. A chave girou duas vezes na porta e o coração três no peito. O medo inundou os pulmões de um jeito que não conseguia respirar. Elas abriram a porta, pois não tinha condição psicológica alguma. Lá estava ele, cara fechada e braços cruzados, como sempre. Se não soubesse da situação em que estava metido, aquele poderia ser mais um dia comum. O corpo enrijeceu prevendo a surra que estava prestes a receber e os olhos se fecharam, em parte por pavor, mas também por vergonha. Entretanto, ela nunca veio.

Podia sentir as mãos calejadas pela vida, mas elas não desceram pesadas. Sentia o abismo emocional sendo preenchido, pois ele estava, enfim, perto. O único barulho era do choro sincero que se atropelava com os soluços, como o de uma criança. Pela primeira vez naquela noite, o arrependimento superou todas as outras emoções. Pela primeira vez na minha vida, vi meu pai chorar.

Nenhum comentário: