quinta-feira, 9 de maio de 2013

Chuva

Saiu de casa para espairecer, correr um pouco e esquecer dos problemas. Estava cansado de muita coisa, sentia o peso das decisões nas costas. Um martírio mental diário que já se estendia por semanas. Queria deixar o corpo tomar conhecimento da estafa pela qual sua alma passava. Nos fones de ouvido, deixava tocar apenas aqueles que padeceram dos mesmos sofrimentos. Queria uma mente vazia e um corpo dolorido, umas férias para a cabeça. A segunda música estava prestes a terminar quando sentiu o primeiro pingo lhe tocar a face.

Bastaram as primeiras gotas para seu mundo deixar o modo automático. Agora já sentia o corpo inteiro sendo pinicado pela chuva. A água gelada o despertara do transe de minutos atrás. Enxergava tudo por uma nova ótica. Estava vivo, e sentia isso. Aquele cheirinho de terra molhada o fez lembrar da infância no interior, do falecido pai que brincava com ele nas poças que se formaram. Todos os conselhos que deixara pra ele, tudo agora fazia mais sentido. Os amigos que estavam sempre por perto, o apoio que deram para ele seguir. A chuva que só aumentava parecia dar mais vida aos seus pensamentos. As preocupações que vinham guardadas a sete chaves, de uma por uma foram lavadas e levadas embora.

Eram momentos como esse que o faziam acreditar em Deus. Tudo que o afligia começou a se resolver quase que por mágica. Não conseguiria explicar como escolhera um rumo. Vai ver é esse poder misterioso que a chuva tem de transformar um ser humano num filósofo. Uma capacidade de amplificar os sentimentos. Com ela os pensamentos se tornam mais profundos, dramáticos, e as alegrias se externalizam. Ela que é a chave que destranca a janela da memória. Parou de correr. A janela de casa. Botou a mão na cintura e deu aquela gargalhada de desespero. Esquecera tudo aberto no apartamento. Resolveu um problema e ganhou outro. Mas quem disse que a vida é feita só de solução?

Um comentário:

Bruna disse...

Já dizia a música: "Oh, Chuva, eu peço que caia devagar. Só molhe esse povo de alegria, para nunca mais chorar". Adoro essa música, adoro a chuva e adorei seu texto, Bijou. Parabéns ;)