quinta-feira, 11 de abril de 2013

Sete pecados - Avareza

Saiu da faculdade com fome. A última refeição havia sido ao meio-dia e já eram dez da noite. Já tinha ido trabalhar, cansaço, ainda teve que correr para chegar à tempo de apresentar um trabalho, mais cansaço. Vida de merda. Cada vez menos tempo, mais trabalho, e a fome que não parava de crescer. Sabia que não deveria reclamar, mas faz parte da natureza humana. Sempre tem algo faltando, que poderia mudar ou melhorar. Buscamos preencher essa sensação de vazio de toda maneira, talvez reclamar seja uma delas. Ou isso, ou apenas fome mesmo. Resolveu comer um sanduíche antes de ir para casa, um vazio a menos na sua vida.

A primeira atendente foi logo dizendo que não tinha pão de três queijos. Esse era o sinal para que fosse embora, mas a fome era grande. Ficou. Parmesão e orégano no lugar dos três queijos, carne e queijo prato de recheio. Esquenta? Sim, quem é que come sanduíche frio? A segunda atendente alertou sobre a falta de cebola. É, tomate tinha, mas a cebola que tanto gostava estava em falta, bem como a maionese e o cookie tradicional. Teve que se contentar com o que tinha. Vida de merda. Onde estão os direitos humanos na hora que mais precisamos deles? Todo ser humano deve ter direito a um sanduíche digno do seu paladar após um dia cansativo, mas a fome falou mais alto.

Ao sair, escutou uma voz desconhecida e cansada pedir por um trocado. Mal fez questão de olhar. A voz continuou acompanhando-o até o carro. Qualquer ajuda servia, pelo amor de Deus. Não estava ali porque queria, era professor de inglês com quarenta e cinco anos de estudo. Se a situação fosse outra, se o local fosse outro, se a pessoa fosse outra e se ele mesmo não fosse professor de inglês, talvez aquela voz o tivesse convencido. É certo que professor não ganha muito, mas daí a ser morador de rua já é uma outra história. Abriu o carro sem nem ao menos olhar para o ser humano ao seu lado. Não era seu problema, a culpa era do Estado que deixou aquele indivíduo nas condições que se encontrava. A vida é uma merda, mas cada um cuida da sua. Foi quando a voz desistiu que tudo mudou. Com um sotaque de fazer inveja a muito americano, agradeceu pela atenção e disse para dirigir com cuidado. Virou para olhar o homem que estava ao seu lado.

Ali estava a figura de um homem franzino, de pele castigada e voz rouca de locutor de rádio. Sentiu pena, queria ajudá-lo. Por sorte, ele carregava consigo uma quantidade boa de currículos. Foram até a porta da lanchonete pegar um e, lá mesmo, conversaram sobre as desventuras que o levaram até ali. A ida aos Estados Unidos ainda jovem, a família que se desfez, a família que fez por lá, a separação dos pais, o câncer do pai, a vinda para o Brasil, o trabalho num navio, as amizades e os cursos que fez, a mulher que amou e a que o traiu, o azar de ter o seu mundo tomado das suas mãos. Vida de merda, mas não mais a sua, a daquela pessoa à sua frente. O que era comer um sanduíche diferente comparado a não ter o que comer? Ter pouco tempo e muito trabalho com muito tempo e nenhum trabalho? Os seus problemas com os problemas dele? Deixou o dinheiro que tinha trocado, era pouco, porém um começo. Um começo que aquele exemplo de vida não queria aceitar, preferia que ele apenas entregasse o seu currículo.

Um comentário:

Bruna disse...

Emocionante demais... Precisamos dar valor ao que temos.